Tocando Agora: ...
No ar: ...

...

Trump põe indústria de açúcar orgânico do Brasil em xeque com tarifa e fim de cota especial

Publicada em: 22/07/2025 13:48 - Agricultura

A guerra comercial de Donald Trump está colocando sob risco a indústria brasileira de açúcar orgânico, fortemente dependente do mercado consumidor dos Estados Unidos. O país é o destino de cerca da metade de toda a produção de açúcar orgânico do Brasil.

Além dos 50% de tarifa sobre as exportações brasileiras, Trump anunciou o fim de uma cota de 210 mil toneladas criada há duas décadas para importar açúcar orgânico sem tarifa. Sem a cota, os exportadores passarão a pagar US$ 357 a tonelada, o equivalente a 48% de tarifa, nas contas do setor. Somada à “Tarifa Brasil” de 50%, o açúcar orgânico brasileiro que se beneficiava da cota poderá ter que pagar agora 98% para entrar nos EUA.

O Brasil tem quatro empresas que produzem açúcar orgânico: a Native, do grupo Balbo, a Jalles Machado, a Goiasa e a Adecoagro. Juntas, elas têm capacidade para produzir 280 mil toneladas. No ano passado, elas exportaram 140 mil toneladas para os EUA.

A dependência, porém, é mútua. Os americanos importam todo o açúcar orgânico que consomem, e no último ano o Brasil representou 46% do volume importado, seguido da Colômbia, com 85 mil toneladas aos EUA, da Argentina (51 mil toneladas) e Paraguai (28 mil toneladas).

O país consome cerca de 300 mil toneladas ao ano, mais da metade de todo o consumo global, de 580 mil toneladas anuais. Nos Estados Unidos, o açúcar orgânico brasileiro está em 100 categorias de produtos que chegam às mesas dos consumidores americanos.

Repetindo a Europa

O Brasil exportou açúcar orgânico para a Europa, mas perdeu mercado no continente depois que a União Europeia acertou um acordo de livre comércio com a Colômbia, o Peru e o Equador, permitindo que a produção colombiana chegasse ao bloco sem tarifas. Já o Brasil paga uma tarifa de 414 euros por tonelada para acessar o mercado europeu, o que tornou inviabilizou esse comércio.

“Se a tarifa de 50% dos EUA entrar em vigor, corre-se o risco de repetir nos EUA o que está acontecendo com o açúcar orgânico do Brasil na Europa”, alerta Plinio Nastari, da consultoria Datagro.

Na Europa, mesmo sem pagar tarifa, os colombianos colocam seu açúcar orgânico no continente por um valor 30% mais caro que o brasileiro, e ainda conseguem ser mais competitivos. A vantagem vem permitindo à Colômbia aumentar sua produção.

Produção do Brasil

No setor produtivo do Brasil, a sensação é de desespero misturada com injustiça. Afinal, foram os brasileiros que desenvolveram os mercados de orgânicos nos países hoje consumidores. Leontino Balbo, sócio do Grupo Balbo, lembra que, há 30 anos, indústrias americanas procurou-os para estabelecer uma relação de fornecimento de longo prazo.

As empresas americanas passaram a apresentar anualmente às usinas suas estimativas de demanda de açúcar orgânico, para que os produtores se adaptassem e criassem seus próprios programas de aumento da produção. O mercado criou uma dinâmica em que a produção é feita sob demanda, diferentemente do mercado de commodities, em que a produção responde ao preço.

“Trinta anos atrás, tínhamos clientes com demanda por 300 toneladas por ano, e que hoje demandam 8 mil toneladas por ano. Tem empresa que a cada ano pede 1.000 toneladas a mais. Não tem oferta instantânea [no mundo] para buscar”, argumenta Balbo.

Também diferentemente do mercado de açúcar-commodity, as negociações do orgânico são regidas por certificações de produção, que variam conforme o mercado consumidor, o que implica em custos elevados. Cada país tem sua própria certificação de açúcar orgânico, o que exige dos produtores uma adaptação de processos para se adequar a cada novo mercado que abrem. “Não existe uma certificação universal”, diz Balbo.

Para adequarem suas produções, as usinas brasileiras tiveram que mudar suas dinâmicas, e não apenas nas lavouras. Além de passarem a produzir cana-de-açúcar somente com bioinsumos, sem químicos, em larga escala, os componentes industriais e processos foram adaptados. As indústrias, por exemplo, não podem ter produtos químicos, o que torna os processos mais demorados, e peças de metal foram trocadas por peças de inox. No caso da Usina São Francisco, da Native, a usina instalou uma empacotadora que empacota o açúcar de acordo com a demanda dos clientes de cada um dos 74 países que atende.

Sem alternativa

Para Nastari, não há alternativas, externa ou internamente, para o açúcar orgânico do Brasil. “É um mercado específico e depende de consumidores que valorizem o consumo de orgânico. Na Ásia ainda não há demanda consistente, e na África nem se fala”.

Já o consumo brasileiro é “relativamente pequeno”, diz. As vendas de açúcar orgânico no mercado interno estão em cerca de 12 mil toneladas ao ano, cerca de 0,2% de todo o consumo nacional de açúcar. Segundo Balbo, as indústrias nacionais de alimentos não têm interesse no açúcar orgânico.

Nos últimos meses, o valor médio de venda do açúcar orgânico aumentou diante do crescimento do mercado global, enquanto o preço do açúcar convencional caiu. Com isso, o “prêmio” do orgânico, que historicamente é de 30% a 35%, subiu para 50%.

Mas, segundo Balbo, um aumento da oferta doméstica não faria o preço cair por muito tempo. Segundo ele, para o preço do açúcar orgânico ser “acessível” no Brasil, as vendas aos EUA, que dão mais retorno, precisam acontecer. “Elas ajudam a pagar o custo fixo que tenho, com certificação, com operação, com o custo financeiro da atividade. Se eu não tenho os EUA para vender 40 mil toneladas ao ano, não mudo minha estrutura de custo e não tenho como continuar na atividade”, sustenta.

Segundo o empresário, os clientes americanos ainda terão que comprar açúcar orgânico do Brasil no curto prazo porque os estoques locais estão “baixíssimos” e os outros países produtores ainda não estão em safra. Porém, se a vigência da tarifa se prolongar, Balbo teme que a produção de açúcar orgânico tenha que ser interrompida em um prazo de “cinco a seis meses”.
Segundo ele, a Usina São Francisco não conseguiria “virar a chave” e passar a produzir açúcar convencional, dada sua estrutura de custos. A unidade emprega atualmente 2 mil funcionários, 1 mil a mais que uma usina que produz açúcar convencional.

Camila Souza Ramos

Fonte: Globo Rural

Compartilhe:
COMENTÁRIOS
Comentário enviado com sucesso!
Carregando...